O último breviário de Leszek Kolakowski
Ilde Mattioni
Kolakowski nasceu no dia 23 de outubro de 1927, em Radom, na Polônia, a cem quilômetros da capital polonesa, e havia se doutorado na universidade de Varsóvia, em 1953, com uma tese sobre Baruch Spinoza. Aluno de Adam Schaff, iniciou a carreira de professor justamente na universidade de Varsóvia, ensinando lógica e filosofia até 1969. Estudioso de economia e política, militante nas fileiras do Partido Operário Unificado Polonês (Poup), Kolakowski propôs uma reinterpretação do pensamento marxista baseada na noção de “homem”, central para ele. Fato que o levou a uma ruptura e, depois de certos posicionamentos após uma viagem à União Soviética, à expulsão do partido. Não menos “problemático” e cheio de consequências foi, ainda nos anos 60, o seu apoio aos pedidos de democratização promovidos pelos estudantes.
Fortemente crítico com relação ao stalinismo, Kolakowski se transferiu para o Reino Unido e começou a trabalhar no All Saints College de Oxford, assentando-se durante longos períodos de pesquisa como “visiting professor” junto às mais prestigiosas universidades norte-americanas e europeias.
Do seu primeiro período, ligado à tentativa de revisão crítica do pensamento de Marx, destaca-se particularmente o poderoso trabalho em três volumes dedicado ao “Nascita, sviluppo, dissoluzione del marxismo” [Nascimento, desenvolvimento, dissolução do marxismo, em tradução livre] (Sugar, 1980-1985).
Pouco a pouco, os interesses do filósofo se dirigiram para as noções de “utopia” “Marxismo, utopia e antiutopia”, Feltrinelli, 1981) e “mito” (“A Presença do Mito”, Editora da Universidade de Brasília, 1981). Por último, a sua atenção se colocou no reconhecimento de algumas categorias metafísicas fundamentais na tradição do pensamento ocidental.
O subtítulo de um de seus livros mais conhecidos, “pequenas lições para grandes problemas”, parece expressar bem o método e a disposição crítica de Kolakowski nesse sentido. As grandes questões, de fato, estiveram no centro do seu trabalho nos anos 80: do mal ao poder, do retorno do sagrado aos temas éticos e religiosos, até à ideia de intolerância. Questões tratadas sempre com delicado refinamento (de conteúdo e de estilo), sobretudo em “Breviario mínimo” (2000) e no mais recente “Horror Metafísico” [no Brasil, o livro foi publicado pela editora Papirus em 1990, mais antiga do que a versão italiana, de 2007].
Nesse último trabalho, Kolakowski fala do clima de “insatisfação” e “contradição” geral em que versam os “grandes problemas” filosóficos. Mas, mesmo não ignorando o confronto com esses “grandes problemas”, o filósofo polonês mostra-se cético com relação à possibilidade de construir “grandes narrações”. O desafio aberto pela indeterminação de termos-conceito como “Ser” ou “Verdade” permite a aproximação à resolução dos problemas, avizinhando-se o máximo possível de uma (sempre provável, mas nunca certa) via de fuga. Também por isso, o estilo de Kolakowski tornou-se, pouco a pouco, sempre mais aforístico, “modesto” e, de certo modo, sinal de forte consciência “ética”.
Em um momento em que “perseguido pelos eventos, expressam-se juízos morais sem muita reflexão, e em que tudo parece coincidir com o seu contrário”, Kolakowski assumiu o desafio de “dar um passo atrás”, redescobrindo o prazer dado por uma prática de rigor e de “pensamento” também nas coisas de todos os dias. O seu Breviário, de fato, não teme o confronto também com os mitos mais persistentes de hoje, do da “juventude eterna” ao não menos “eterno viajar” do turista contemporâneo.
Diferentemente calibrados, por temáticas e desenvolvimento, estão os livros “La chiave del cielo” (Queriniana, 1982), “Le religioni” (SugarCo, 1983), “Se non esiste Dio”(Il Mulino, 1997), centrados na crítica da questão religiosa. Uma crítica que, desde os anos de sua formação, Kolakowski havia desenvolvido de modo radical (“o melhor fruto do marxismo”, afirmava, “é a libertação da superstição”) e rigorosíssimo, conquistando uma consideração não indiferente no mundo sempre suspeito dos tomistas devotos de São Tomás.
[A tradução é de Moisés Sbardelotto, Instituto Humanitas Usinino]